A operação Lava Jato tem um novo relator no Supremo Tribunal Federal - o ministro Edson Fachin foi sorteado para substituir Teori Zavascki, morto há duas semanas.
O mais novo integrante do STF recebe assim a missão de assumir a condução do caso mais importante do país. A troca ocorre em meio à grande pressão popular por celeridade e punição a políticos corruptos, ao mesmo tempo em que a operação é alvo de críticas de que não estaria respeitando direitos fundamentais dos acusados.
Quando indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015, Fachin recebeu muitos ataques por ser visto como um jurista progressista, próximo ao PT e a movimentos sociais como o MST.
Sua conduta no Supremo, porém, tem se mostrado mais dura do que o esperado - o que surpreendeu aqueles que acreditavam em um viés mais "garantista", ou seja, menos punitivista e mais garantidor dos direitos dos acusados.
Ele, por exemplo, foi um dos que votou a favor da possibilidade de prisão após a condenação criminal já em segunda instância. Essa decisão do STF - que acabou com placar apertado, de seis a cinco - mudou entendimento anterior que permitia o cumprimento da pena somente após o esgotamento de todas as possibilidades de recursos.
Para os defensores da mudança, há recursos em excesso, que são usados pela defesa para atrasar processos. Já os críticos da decisão dizem que ela afronta o princípio da "presunção da inocência", previsto na Constituição.
O advogado Jacinto Miranda Coutinho, professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná, onde Fachin também lecionou, receia que o amigo volte a sofrer ataques agora que virou relator da Lava Jato.
"Temo que voltem a falar dele o que falaram quando ele foi para o Tribunal. Mas isso é besteira, porque ele se mostrou mais duro do que eles (os críticos à indicação) imaginavam", afirmou.
"Eu o conheço há muito tempo, sempre foi uma pessoa séria, um grande professor de Direito Civil, mas aqui é preciso mais do que seriedade. Sérios, eu imagino, todos (no STF) são. Precisamos que se faça valer a Constituição e as leis. Isso é o mais importante", criticou.
Diferenças e semelhanças com Teori
Os perfis de Teori e Fachin têm semelhanças - ambos são tidos como sérios, discretos e avessos aos holofotes.
O desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região - segunda instância dos processos federais da região Sul do país - nota também algumas diferenças.
Teori, por exemplo, tinha uma carreira mais longa como juiz, iniciada em 1989 justamente no TRF da 4ª Região, e passando pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), antes de entrar no Supremo. Já Fachin, se destacou principalmente como acadêmico, tendo atuado também como advogado e procurador do Paraná.
"Eu diria que ele (Fachin) é mais garantista que o ministro Teori, digo no sentido de observância dos direitos fundamentais do acusado. Não é nenhum defeito. O ministro Teori talvez fosse mais positivista, e o ministro Fachin mais liberal", afirmou.
"Mas eu não vejo nenhuma prejudicialidade. É um juiz de grande capacidade de trabalho também, muito bem assessorado por magistrados, inclusive federais, que o acompanham desde sua entrada no STF. Acho que a Lava Jato tem condições de chegar a um bom termo também com o professor, o ministro Fachin", acrescentou.
Questionado, porém, se Fachin não teria adotado uma postura menos garantista no Supremo, o desembargador disse que essa é uma tendência global hoje.
"Não (mudou) pressionado pelo clamor social, mas certamente em razão de uma mudança mesmo dos limites das políticas criminais, que mundialmente passam a ser um pouco mais duras. Esse é um movimento globalizado de endurecimento do Direito Penal como resposta à criminalidade organizada", observou.
"Certamente o ministro Fachin vai ser sensível a isso, mas vai saber manter um desejável equilíbrio. Isso é fundamental. Acho que ele deve trabalhar com uma lógica de aplicação certa da pena: punição, mas com uma medida de Justiça, não com excesso de resposta penal", ressaltou ainda.
Sobre a suposta proximidade do novo relator com o PT, Brum Vaz afastou a possibilidade de alguma conduta "tendenciosa" de Fachin. Ele destacou que Teori também havia sido indicado por Dilma, assim como o ex-ministro Joaquim Barbosa, que ganhou notoriedade como relator do Mensalão, fora uma escolha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Corte.
"Não vejo, como tem se dito, alguma tendenciosidade. Acima de tudo, (Fachin) é um magistrado insuscetível de se corromper, de se deixar levar pelo que é ideologia partidária", afirmou.
"Nós podemos ver que o ministro Fachin é um magistrado que não faz comentários, ele não costuma aparecer muito na vida social, já era assim quando acadêmico. Isso é uma garantia de que não é um juiz populista, não é um juiz voltado para a repercussão midiática. É um juiz discreto, uma grande virtude", destacou ainda.
Quando nomeado em 2015, Fachin passou por um dura sabatina no Senado, em que acabou adotando um discurso mais ponderado do que em sua atuação acadêmica, defendendo um atuação mais contida do Judiciário ao tratar de questões do Legislativo.
Quando questionado sobre proximidade com o MST, Fachin disse que defende manifestações desde que elas ocorram dentro da lei.
Na ocasião, se emocionou ao ao narrar sua origem humilde. Ele nasceu em 1958 em Águas de Rondinha (RS), filho único de uma professora e de um pequeno agricultor.
"Sou um sobrevivente, não me recuso aos desafios. Sobrevivi à infância contrabalançando o zelo materno e privações. Sobrevivi a uma adolescência difícil e enriquecedora. Não me envergonho, ao contrário, me orgulho, de ter vendido laranjas na carroça de meu avô pelas ruas onde morávamos. Me orgulho de ter começado como pacoteiro de uma loja de tecidos. Me orgulho de ter vendido passagens em uma estação rodoviária. Tive desafios muito cedo", contou na sabatina.
Responsabilidades como relator
Como relator da Lava Jato, Fachin terá uma responsabilidade maior sobre os casos. É ele, por exemplo, que decidirá se as 77 delações de executivos da Odebrecht devem permanecer em sigilo ou não, caso se confirme a expectativa de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, peça a divulgação desses documentos.
As delações foram homologadas nesta segunda-feira pela presidente do STF, Carmén Lúcia, ainda durante o plantão de recesso da Corte.
O novo relator também terá papel determinante no andamento de eventuais inquéritos que devem ser abertos a partir dessas delações - é ele que decidirá a favor ou contra pedidos da PGR para realizar investigações, por exemplo autorizando o monitoramento telefônico de autoridades, assim como avaliando pedidos de busca e apreensão e prisões preventivas.
Fachin assumirá também o andamento de investigações e ações da Operação Lava Jato já em curso no STF. São casos que envolvem autoridades com foro privilegiado.
Conforme o andamento dos casos, se a PGR apresentar denúncias contra os investigados, cabe também ao relator proferir o voto pela abertura ou não de um processo e levá-lo para análise da turma (5 ministros) ou do plenário (11 ministros). Da mesma forma, no momento da condenação ou absolvição, é ele que libera o processo para ser julgado também pelos demais após tomar sua decisão.
Atualmente, apenas ações envolvendo os presidentes da República, da Câmara e do Senado passam pelo plenário. Demais autoridades, como ministros e outros parlamentares, são julgados pelas turmas.
Recursos de decisões dentro da operação Lava Jato em instâncias inferiores também devem passar primeiro pelo relator da Lava Jato no Supremo. É o caso por exemplo do pedido de habeas corpus para soltura do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, no momento preso por decisão do juiz Sergio Moro, da Justiça Federal de Curitiba.