Seria possível um mendigo, alimentado por um prato de sopa doado, estar mais bem nutrido do que pessoas que comem várias vezes ao dia?
Por Rogério Frossard
Você já deve ter ouvido algo do tipo: “Alimente-se como um rei pela manhã; como um príncipe no almoço e como um mendigo no jantar.” Mas você também já deve ter ouvido: “Faça pequenas refeições durante o dia; de preferência, de três em três horas.” Ou ainda: “Jejue!”
Os motivos podem variar, passando por recomendação nutricional, médica ou até dicas de dieta e modismos, compartilhados sem muito respaldo. O fato é que, para quem deseja seguir um estilo de vida mais saudável, pode ficar confuso assimilar tanta informação e saber qual realmente se encaixa no próprio contexto.
Diferentemente da eterna discussão envolvendo os mais variados tipos de dieta, a frequência das refeições tem sido quase que uma unanimidade.
A maioria das dietas recomenda seis refeições por dia: o desjejum, a colação, o almoço, o lanche, o jantar e a ceia. Em um dia com oito horas de sono, isso implica em comer a cada três horas.
A lógica por trás da recomendação é ingerir um volume menor de comida a cada refeição para evitar os excessos da fome desenfreada e a dilatação do estômago, facilitando o trabalho da digestão dos alimentos.
Mas seria possível uma orientação tão popular estar revelando alguma insatisfação que busca compensar qualidade com quantidade, encobrindo o verdadeiro motivo para tantas refeições?
Declarações da Organização Mundial da Saúde apontam que não há evidências científicas de que comer de três em três horas emagreça, ou de instituições norte-americanas, como a Associação Médica Americana, que detonam alguns mitos no que diz respeito à alimentação e nutrição, vêm causando burburinho.
Pensando em você, leitor de Vida e Saúde, que também pode estar em dúvida sobre o que seguir, esta edição apresenta um novo viés sobre o assunto, a fim de que a questão central do tema seja mesmo entendida. Afinal, como é que o corpo funciona? Por que precisamos nos alimentar? De que maneira a alimentação mantém a qualidade de vida? Estas são questões que deveriam nos levar às reais respostas sobre a quantidade de refeições que devemos fazer por dia.
O porquê das refeições
A resposta é muito simples: comer é um, senão o maior prazer da vida pessoal e social. Sentar-se à mesa entre amigos ou saquear a geladeira na solidão da noite nos traz um enorme deleite, pelo menos a princípio, antes de nos confrontarmos com algumas eventuais consequências, como distúrbios digestivos, excesso de peso e problemas de saúde associados.
Mas, deixando de lado o aspecto psicossocial, comer é uma necessidade da qual não podemos abrir mão. Isso porque não somos criaturas independentes do meio para sobreviver.
Nossa máquina biológica necessita de elementos encontrados em nosso planeta. Entre eles, os principais são: o oxigênio da atmosfera, a água das fontes cristalinas e os açúcares encontrados nas mais diversas plantas nutritivas da natureza.
Estes três elementos são necessários para a utilização de nossas reservas calóricas no processo de respiração, que disponibiliza energia para as nossas células exercerem as suas funções.
Os primeiros sintomas da má alimentação
A fome é o primeiro sintoma de má alimentação. Ela sinaliza de forma contundente que algo relevante está impedindo o funcionamento adequado de nossa máquina biológica. Essa insatisfação é o estímulo para comer, e a preferência por calorias vazias resultará na danosa combinação da obesidade com a desnutrição.
Felizmente, os motivos fisiológicos para que venhamos a sentir fome podem ser inibidos por uma simples sopa de legumes. Como assim?
Pois é, uma simples sopa de legumes resolve o problema da associação do estômago vazio com a queda do açúcar em nosso sangue – hipoglicemia.
A hipoglicemia ocorre quando nossas reservas de açúcar se aproximam perigosamente do fim. Não conseguindo manter uma concentração ideal desse elemento essencial para a produção de energia, o corpo reduz seu gasto energético, ocasionando letargia, mal-estar, cefaleia e fadiga, até que o fornecimento de açúcar seja normalizado por uma refeição.
Esta é a dinâmica do breve jejum de algumas horas, que todos nós possivelmente algum dia experimentamos. A intensidade dos sintomas da queda do açúcar depende do nível das nossas reservas.
Nossa máquina biológica é tão maravilhosa que não nos damos conta do fato de que ele vive uma política de guerra! Ele não desperdiça absolutamente nada do alimento que ingerimos numa refeição, armazenando para um “futuro incerto” suas calorias sob a forma de gordura.
Eleve suas reservas por meio de “exercícios”
O consumo de oxigênio que ocorre no corpo é elevado pela prática regular de atividade física aeróbia, que promove notável expansão do tórax, aumentando o nível de oxigênio no sangue e nos músculos.
De acordo com a lei da oferta e da procura, nossa capacidade de armazenar todos os elementos envolvidos na respiração depende da demanda. Logo, quanto mais gordura gastarmos na produção de energia, mais elevada será nossa capacidade de armazenamento dos elementos essenciais envolvidos na respiração: oxigênio, água e açúcar.
É por isso que os atletas treinados para maratonas são magros, mesmo que consumindo grande quantidade de água e açúcar natural das frutas e do amido, como bananas e massas.
Como na natureza, nosso corpo é capaz de armazenar água e açúcar (como o do amido de uma batata), pois cada molécula de açúcar é ligada a outra por uma ponte de água. Assim, nossas reservas de amido nos músculos e no fígado são nossa fonte de água e de açúcar no intervalo entre as refeições.
Diante disso, é possível prolongar o intervalo entre as refeições, em vez de diminuir. Enquanto o açúcar do sangue serve estrategicamente para consumo imediato, o amido no fígado e nos músculos serve como backup, liberando o açúcar conforme diminui a concentração sanguínea, retardando, portanto, a hipoglicemia e a fome.
Armazenando corretamente os elementos essenciais, a atividade aeróbia associada à boa alimentação garante o fornecimento de energia para as células, desenvolvendo capacidade de autonomia, ou seja, de resistência.
É como um carro que, além de andar mais depressa, também é capaz de ficar mais tempo na estrada sem a necessidade de reabastecimento, uma vez que possui maior reserva e roda de forma mais econômica.
Açúcar e demais carboidratos
Falar de carboidratos também gera muita polêmica. Especialistas radicais chegam a orientar a eliminação completa dos carboidratos dos cardápios. Apostando nas proteínas e em dietas que supostamente remeteriam ao Paleolítico, tratam o carboidrato como um vilão da saúde. A questão, no entanto, não é o carboidrato, mas, sim, a qualidade e origem dele.
Junto ao oxigênio e à água, o açúcar dos carboidratos é fruto da fotossíntese das plantas, processo essencial a toda espécie de vida no planeta.
Ao mesmo tempo que liberam água e oxigênio, as plantas produzem carboidratos de cadeias curtas, médias ou longas. O tempo para digestão e absorção de seus açúcares é diretamente proporcional ao comprimento dessas cadeias.
As cadeias curtas, comumente presentes nas frutas, apresentam sabor doce e são de fácil digestão e imediata absorção. As médias e longas formam o amido encontrado nos grãos, legumes e raízes, que liberam seus açúcares de forma mais lenta.
Algumas cadeias longas formam a fibra das cascas, sementes, caule e folha das plantas. Rica em água, elas são fonte exclusiva de nutrientes, como a vitamina C, e a principal fonte de vitaminas do grupo B e de sais minerais, como o cálcio e o ferro por caloria, uma vez que não somos capazes de digerir esse tipo de carboidrato.
Dos sais minerais, a planta conta com uma maior proporção de potássio em relação ao sódio, facilitando ainda mais a hidratação, evitando o edema e a elevação da pressão arterial.
O que devemos entender é que o carboidrato dos vegetais é importante para o corpo, ao passo que o açúcar, o álcool, os óleos ou aminoácidos extraídos das plantas, e adicionados a pães, bolos e guloseimas realmente podem e devem ser dispensados.
Ao preencher um estômago vazio, os “bons” carboidratos combatem a fome e a sede fornecendo os elementos necessários para a nossa respiração celular: vitaminas do complexo B, água e açúcar do amido ou das frutas, enquanto que suas fibras indigeríveis asseguram um perfeito ritmo intestinal.
Qualificações de uma boa refeição
Antes de elaborar o número de refeições de uma dieta devemos avaliar seu poder de saciedade, de forma a proporcionar um intervalo suficiente para que o estômago seja esvaziado e lavado, sem produzir vazamentos ou prejuízos à locomoção.
Os alimentos selecionados devem conter água, vitaminas do complexo B, fibras e açúcares que queimem as gorduras prevenindo a hipoglicemia e aumentando o período de saciedade. Mas, lembre-se de que apenas os diferentes tipos de plantas: frutas, grãos, verduras, legumes e raízes são capazes de preencher todos os quesitos. Toda refeição deveria priorizar a presença desses alimentos e seus nutrientes!
Um processo altamente corrosivo
Tudo o que colocamos na boca, até mesmo em pensamento, provoca salivação e secreção gástrica. Desde a mastigação, a ideologia é a total destruição do alimento visando à sua digestão, absorção e utilização dos nutrientes em nível molecular.
Com tal intuito, o processo digestivo dispõe de uma etapa extremamente ácida no estômago, que, por meio de seus esfíncteres, impede que o conteúdo atinja seus vizinhos, isto é, esôfago e duodeno, evitando a ulceração de suas mucosas, e um sério desconforto e queimação.
No entanto, a competência dessas válvulas sofre a pressão exercida pelo volume estomacal ao longo dos anos e, eventualmente, virá a permitir o vazamento de algum material ácido, em especial, quando reclinamos. É por isso que é altamente recomendável não ingerir nenhum alimento antes de se deitar.
Comece o dia consumindo oxigênio
Despertar com fome após uma boa noite de sono precedida por uma última refeição não deve ser considerado normal.
Partindo do princípio de que a última refeição foi bem elaborada, devemos despertar com nossas baterias carregadas, prontas para uma atividade aeróbica, para consumo fisiológico de oxigênio, lembrando que a prática de exercício físico com o estômago cheio é perigosa, podendo causar congestão.
Já o desjejum – primeira e mais importante refeição do dia –, deve preencher as reservas de água, de açúcares, vitaminas e sais minerais utilizadas durante a queima matinal de gordura (realizada com atividade aeróbica).
Um organismo é forte e saudável quando previne a escassez de nutrientes, priorizando a renovação das suas reservas por meio da qualidade das suas refeições, e um elevado consumo de oxigênio, reafirmando o velho paradigma da Bioquímica de que as gorduras queimam sob as chamas dos carboidratos!
Nossa capacidade respiratória é a chama da nossa existência cuja intensidade é determinante para nossa qualidade de vida e saúde.
Azedo, sujo e exausto
Se de 24 horas, passamos oito dormindo, seis refeições teriam de ser divididas em períodos de três horas, o que signifi ca pelo menos uma refeição imediatamente ao despertar e outra ao se deitar.
Mas esse tipo de dieta prejudica a atividade aeróbica de estômago vazio, o repouso do aparelho digestivo, e a higiene que previne a ulceração de suas mucosas.
Há um tempo exato para que o alimento da refeição passe em cada estágio da digestão. Comer a cada três horas não permite ao estômago esvaziar-se completamente, descansar ou ter diluída sua acidez.
Diante disso, muitos sintomas são provocados por distúrbios digestivos: azia, constipação, gastrite ou úlcera são em geral um importante sinal da falta de higiene no aparelho digestivo e da má alimentação que eleva a gordura corporal, envolvendo o fígado, a vesícula biliar, os vasos sanguíneos e os músculos, podendo evoluir para doenças graves.
Mantenha a linha sem fome ou desconforto Ao evitarmos as calorias vazias nas demais refeições, após a atividade aeróbica e o desjejum, iremos observar a queda progressiva da nossa gordura corporal – o verdadeiro emagrecimento! Dessa forma, mais uma ou duas refeições separadas no decorrer do dia devem ser sufi cientes para nos manter em forma, muito bem alimentados.
Abastados, mas não saciados
O real objetivo de uma refeição não é satisfazer o apetite, mas, sim, as necessidades do organismo. Não é apenas a simples quantidade de comida que determina a qualidade de uma refeição; vide a falência da cirurgia bariátrica naqueles que não reformaram seu estilo de vida.
Dispondo de fartura de produtos de origem animal, e desorientados pelos ditames do apetite natural, privilegiamos o consumo do açúcar, dos óleos, do álcool e dos aminoácidos extraídos das plantas, em detrimento das frutas e demais vegetais in natura.
Destituídas de seu valor nutricional, essas calorias servem em grande parte para elevar os nossos depósitos de gordura, fato que, associado ao baixo consumo de oxigênio, incapacita nossas refeições, sejam lá quantas forem, de promover o armazenamento dos elementos necessários à satisfação do organismo, resultando em uma contínua frustração nutricional, um jejum de mesa farta!
Por outro lado, podemos ser abastados, mas não saciados. É irônico concluir que um pobre andarilho que recebe a caridade de um sopão de legumes sob o misericordioso teto de um abrigo esteja mais bem alimentado e possa gozar de melhor saúde do que um cidadão que intercala suas principais refeições com lanches saborosos, repletos de queijos e outros frios.
Por mais complexo que seja, nosso organismo humildemente demanda muito pouco do meio ambiente para funcionar de forma espetacular. Quando o assunto é comida e bebida, não precisamos de muito nem de muitas vezes, mas, certamente, precisamos de qualidade.
E quando o assunto é saúde, não precisamos apenas de uma alimentação balanceada, mas de um conjunto de escolhas que torne nosso estilo de vida realmente saudável.
O excedente calórico e as doenças modernas
Infelizmente, o excesso de gordura se torna um grave problema para o organismo, pois seu acúmulo no fígado pode causar a esteatose hepática, tão comum entre obesos e alcoólatras.
O acúmulo de gordura em nossos músculos inibe o transporte de açúcar para dentro das células, promovendo concentração sanguínea, resistência insulínica, intolerância glicêmica e diabetes.
E no sangue, a gordura junto ao colesterol forma as placas de ateroma, que podem provocar o bloqueio do fluxo sanguíneo para o cérebro ou coração, gerando respectivamente o acidente vascular encefálico ou infarto agudo do miocárdio.
Uma tremenda máquina